
Entrevista com Telma Weisz sobre alfabetização
inicial
Para especialista,
o professor alfabetizador precisa apostar alto na capacidade de seus alunos.
Luiza Andrade (novaescola@atleitor.com.br)
TELMA WEISZ. Foto:
Daniel Aratangy
Ela é a mais respeitada especialista em
alfabetização do país. Em sua trajetória profissional, Telma Weisz viveu o
conflito de ter trabalhado durante anos numa perspectiva mais tradicional, até
ter contato com as ideias da psicogênese da língua escrita. "Aí fiquei
furiosa comigo mesma", revela a educadora. Desde então, mudou seu olhar
sobre os alunos, percebeu que não se pode subestimar a capacidade intelectual
de nenhuma criança, aprofundou-se como ninguém no assunto e, dona de uma
generosidade sem igual, dedicou-se a transformar a prática de milhares de
professores alfabetizadores por meio do principal curso de formação em
Alfabetização do Brasil, o Profa. Hoje, ela supervisiona a versão paulista do
programa, o Ler e Escrever, da Secretaria Estadual da Educação. Nesta
entrevista a NOVA ESCOLA, Telma abusa de exemplos cotidianos para mostrar
equívocos, muitos deles cometidos no passado por ela mesma, que ocorrem na
árdua tarefa de ensinar a ler e escrever. E, o mais importante, explica por que
eles acontecem, com a autoridade de quem soube, por meio do conhecimento
científico, refletir sobre a própria prática para melhorá-la.
NOVA ESCOLA: Ainda há professores que não transmitem informações às
crianças por pensar que elas aprendem sozinhas? Qual é a origem dessa
dificuldade?
Telma Weisz Na verdade, isso tem a ver com a própria
concepção de ensino. Antigamente, todos tinham a ideia de que ensinar era
transmitir informações. Nos últimos 30 anos, quando começamos a descobrir que
ensinar é criar condições e situações para a aprendizagem e quando os
professores ouviram falar, sem aprofundamento, que as crianças constroem seu
conhecimento, muitos acharam que bastava o contato com as letras e o material
escrito para que o conhecimento aparecesse naturalmente, por geração
espontânea.
Não sei se ainda há quem pense assim.
Eu espero que não, pois é um equívoco. O papel do professor é ser aquele que
sabe mais dentro da classe e que valida a informação que circula. Em uma sala,
todos estão em atividade intelectual, todos falam, todos elaboram ideias e
constroem conhecimento. Não ao mesmo tempo - e esse é outro equívoco -, mas
todos têm a oportunidade de expressar o que pensam. A validação deve acontecer,
porque todos os saberes que estão sendo construídos são provisórios, elaborados
por meio de um processo permanente de aproximação com o conhecimento objetivo.
A interpretação enviesada do
construtivismo também tem a ver, em parte, com o fato de que a teoria da
psicogênese foi popularizada no Brasil por um conjunto de vídeos de entrevistas
com as crianças. O entrevistador, que no caso era eu, buscava tornar visíveis
as hipóteses que elas formulam quando estão aprendendo a ler e a escrever. Como
o objetivo era deixar que os professores vissem-nas pensando em voz alta, a
intervenção era pequena. O que foi mal compreendido é que aquilo não era uma
situação de ensino nem de pesquisa. Era uma tentativa de ilustrar o que estava
no livro [Psicogênese da Língua Escrita, de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky] e
que não era de fácil compreensão. Esses mal-entendidos fizeram com que muitos
tivessem dúvidas não só sobre informar ou não, mas sobre o que informar. E essa
é uma questão delicada porque não há um guia de coisas permitidas ou proibidas.
Depende das circunstâncias e daquilo que as crianças pensam em cada momento.
Como essas dúvidas se revelam na prática?
Como essas dúvidas se revelam na prática?
Telma Por exemplo, se você tem um aluno que está
escrevendo uma letra para cada sílaba e ele pergunta "qual é o MI",
você pode dar duas respostas. A primeira é: "MI é o M e o I". E a
segunda: "O que você quer escrever?", ajudando-o a encontrar uma
resposta que caiba na estrutura teórica com a qual ele está trabalhando. Se o
menino já está escrevendo alfabeticamente, a situação é outra, mas também tem
suas características. Certa vez, um outro me perguntou "Como se escreve
lã?". E eu disse "L, A, til". Quando vi, ele havia escrito
"balãsa". Dei uma informação errada, porque não tive o cuidado de
perguntar "para escrever o quê?". Há uma quantidade enorme de
informações que cabe ao professor oferecer, mas é preciso ter condições e
critérios para saber quais estudantes podem aproveitá-las. Isso só se consegue
fazendo avaliação constante da classe.
Há muitos anos, em um trabalho de
pesquisa, observei uma menina que estava repetindo a 1ª série havia cinco anos.
A professora, naquele dia, apresentava à classe o alfabeto (para aquela aluna,
pela primeira vez). A garota teve uma crise descontrolada de choro e, quando se
acalmou, disse "eu sempre saio da escola no meio do ano porque não consigo
aprender as letras. Mas eu não sabia que eram tão poucas. Se eu soubesse, não
teria ficado tanto tempo aqui até aprender." É uma informação simples, mas
se não é dita, como ela vai saber? Outro exemplo: uma criança pergunta
"cozinha é com S ou com Z?" O que você faz? Diz a ela "pense
para descobrir?" Não tem como pensar para descobrir. Você tem duas
alternativas: mandá-la ao dicionário, o que, em determinadas circunstâncias, é
uma perda de tempo, ou aproveitar a situação para explicar que é com Z, mas
que, muitas vezes, o mesmo som pode ser com S, ainda que entre vogais. Assim, é
introduzida uma série de informações que nem todos talvez possam utilizar,
dependendo das condições do grupo. Mas, de qualquer maneira, se isso não vier
do professor, de onde virá?
Fala, Mestre! Palavra de quem entende de Educação – Revista
Nova Escola - http://revistaescola.abril.com.br,
por
Luiza Andrade (novaescola@atleitor.com.br)
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